DOMANDO AS FERINHAS
Aceitar o ‘NÃO!’ Base de equilíbrio emocional
Por Filomena Santos Silva, Psicóloga
As nossas crianças pagam alta a factura da forma como nos organizamos em sociedade, em ritmos que não são os delas e com pouco tempo para relações de qualidade
O último estudo europeu de que dispomos aponta para 30 minutos o tempo médio que os pais passam por dia numa relação exclusiva com os filhos. Vários outros estudos revelam-nos que nos últimos quinze anos as crianças se tornaram mais nervosas e irritáveis, mais rabugentas e caprichosas, mais deprimidas e solitárias, mais impulsivas e desobedientes. Estas mudanças são uma consequência das mudanças na sociedade.
Os dias passam-se numa sucessão de coisas para fazer, com ambos os pais a trabalhar e pouco apoio da família alargada, sendo as crianças envolvidas no nosso stress; neste quadro os filhos, em vez de cooperarem, parecem «inventar» motivos para as zangas, acabando por fazer perder a paciência com tantas birras. Se pararmos para pensar, facilmente conseguimos perceber que estas alterações trazem repercussões na vida dos mais pequenos.
Culpabilizarmo-nos não adianta, até porque é difícil mudar o ritmo de vida. O que podemos é, em conjunto, pensar em minimizar estes efeitos negativos.
É frequente que a criança que tem um comportamento adequado na creche ou no Jardim-de-Infância, chegue a casa e se transforme numa autêntica pestinha. É em casa que ela se sente mais à vontade e pode descarregar um pouco as tensões de todo o dia, com as pessoas com que tem uma relação afectivamente segura: os pais. Também nós, à noite em casa temos atitudes e mesmo formas de estar que não temos noutros lugares (poder gritar ou andar de chinelos, por exemplo...). Talvez assim seja mais fácil entender o porquê de tantas birras: se a criança se está a portar muito bem nós aproveitamos para fazer mais umas coisas, deixando-a sossegada. Pelo contrário, se a criança se começa a portar mal, se vai mexer no que é perigoso ou se não faz o que lhe pedimos, nós temos de intervir e frequentemente acabamos ralhando, castigando ou dando uma palmada; a criança vai interiorizando um modelo de relação errado: se eu me portar bem ninguém me liga nenhuma, mas pelo contrário se eu me portar mal têm obrigatoriamente que me dar atenção.
Estarmos conscientes desta situação é dar o primeiro passo para poder ultrapassá-la. Ficarmos com sentimentos de culpa não resolve o problema, até porque é fácil encontrar desculpas: Ainda é pequenino… Isto é sono…Tem uma personalidade muito forte… E acabamos por ceder… a criança leva a sua avante… Só que à medida que ela cresce começa a ser cada vez mais difícil controlar o seu mau génio… até que os pais percebem que é «de mais» e que já é difícil mudar; a criança habituou-se a controlar a relação, os pais já não se conseguem impor…
Os comportamentos são uma poderosa forma de comunicação. Cabe-nos a nós entendê-los para saber como agir. De nada adianta desculpabilizar o comportamento da criança - mesmo que compreendamos a sua razão – mas sim ter um papel importante na sua estruturação psíquica. O balanço entre independência e autonomia é a base da estabilidade emocional. Os pais deverão encontrar um equilíbrio entre a ausência de regras (permissividade) e um controlo intrusivo.
Foi feita a seguinte experiência com um grupo de crianças de quatro anos, em que a cada uma era dito: «Vou deixar-te sozinho nesta sala e naquela caixa está um bombom. Se o fores buscar, só ficas com esse, mas se esperares que eu volte, dar-te-ei dois em vez de um”. Cerca de dois terços das crianças esperaram enquanto um terço não o fez e só obteve um bombom. Doze a catorze anos mais tarde, as mesmas crianças foram avaliadas. Aquelas que conseguiram resistir tinham mais confiança nelas próprias, eram mais eficazes a ultrapassar obstáculos, mais persistentes e menos vulneráveis ao stress e ao fracasso. Em contrapartida, as que tinham comido o bombom, eram mais indecisas, com dificuldade em resolver problemas quando encontravam obstáculos, mostrando tendência para abandonar a tarefa ao primeiro fracasso.
A aptidão para gerir a frustração e para adiar uma satisfação é um elemento fundamental da capacidade de sermos felizes. Só aprendendo a gerir a frustração é que se torna possível realizarmos os nossos projectos e desenvolvermos relações harmoniosas com os outros.
Como agir?
Permitimos que as nossas crianças se tornassem consumistas e estas aprenderam a fazer birras quando não obtêm aquilo que querem. Distrair as crianças com outro objecto pode resolver a birra, mas perde-se uma oportunidade para ajudá-las a gerir a sua frustração. Devemos entender o seu desejo, deixá-la verbalizar a fúria que sente, dizer-lhe que a compreendemos, que seria bom ter aquele brinquedo, só que agora não o vamos comprar… sabemos que está um bocadinho triste, até podemos perder algum tempo a ver com ela os brinquedos, dizer-lhe quais é que nós gostamos mais e deixá-la contar-nos quais é que mais gosta. Assim, o desejo exprimido de ter o brinquedo desaparece perante a satisfação de uma outra necessidade: de se sentir em relação com o mundo, de partilhar.
Podemos, se for um objecto que a criança quer muito, adiar a satisfação da necessidade para uma altura especial (aniversário/Natal), sendo recebido com muito mais prazer. Adiar a satisfação da necessidade é uma óptima forma de ajudar a gerir a frustração, contribuindo para a criação de crianças emocionalmente mais estáveis e por isso mais capazes de enfrentar os «nãos» que lhes vão surgir ao longo da vida.
Estabelecer limites é dos passos mais importantes para diminuir a frequência dos comportamentos inadequados. Muitas vezes os pais não são consistentes - num dia permitem aquilo que recusaram no dia anterior – e não antecipam à criança as consequências da sua acção. Se a criança agride (outra criança ou mesmo o adulto), devemos explicar-lhe que percebemos que está zangada mas não vamos permitir-lhe que bata. É importante que a criança compreenda que pode ter sentimentos negativos, mas não pode ter comportamentos desadequados. Os pais devem estabelecer limites aos actos, não aos sentimentos. Os adultos devem ajudar a criança a pensar estratégias para que, da próxima vez que vivenciar uma situação semelhante, possa agir correctamente.
Saber estabelecer limites
Os adultos, ao estabelecer limites para os comportamentos inadequados das crianças, devem transmitir com clareza as consequências do cumprimento e do incumprimento das regras.
– Consequências para o bom comportamento: atenção positiva, elogio, privilégio, recompensa.
– Consequências para o mau comportamento: negação da atenção, perda de privilégios e ausência de recompensas. As consequências devem ser consistentes, justas e relacionadas com o comportamento em causa.
Que soluções?
Uma delas está na mudança de atitude: procure encontrar diariamente alguns momentos de qualidade com a criança – nem que sejam alguns minutos, desde que ela os sinta como momentos de prazer são esses que vão contar. São os momentos de partilha que constroem as relações positivas.
E falar sempre nas emoções. Traduza por palavras as suas emoções – positivas e negativas para que a criança as vá interiorizando. Verbalize sempre o quanto gosta do seu filho, mesmo quando está zangado. Dê-lhe mimo porque é enquanto pequeno que ele precisa de beijinhos e abraços e nunca foi isso que estragou uma criança. Seja consistente e cumpra sempre o que prometeu: as crianças são justas e precisam de autoridade e de limites para crescerem seguras.